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Banda turva
Atuação de Dirceu expõe alianças entre empresas favorecidas pelo governo e grupos de interesse que
se aninham no Estado
A CADA ENXADADA, uma
minhoca. Natural da
cidade de Passa-Quatro, no sul de Minas
Gerais, José Dirceu certamente
conhece esse dito popular, segundo o qual basta procurar para
encontrar.
E minhocas não parecem faltar
quando o assunto são os negócios de consultoria a que passou
a se dedicar o ex-ministro do governo Lula. Desde que deixou a
Casa Civil e teve o mandato de
deputado cassado pela Câmara,
em 2005, acusado de ser o mentor do mensalão, Dirceu tem se
mostrado uma figura equívoca. A
militância política e a atividade
profissional, os contatos no
mundo privado e as incursões
pelos porões do poder público se
misturam nebulosamente na vida deste personagem anfíbio.
O próprio Dirceu, vale dizer,
alimenta uma certa mitologia
em torno de seu personagem,
sem que se saiba quanto disso é
lobby de si próprio e quanto corresponde à influência que ainda
exerceria sobre setores do Estado e da máquina petista.
Em 2007, numa longa entrevista à revista "Playboy", a certa
altura ele explicava seu trabalho
nos seguintes termos: "No fundo, o que eu faço é isso: analiso a
situação, aconselho. Se eu fizesse
lobby, o presidente saberia no
outro dia. Porque, no governo,
quando eu dou um telefonema,
modéstia à parte, é um telefonema! As empresas que trabalham
comigo estão satisfeitas. E eu
procuro trabalhar mais com empresas privadas do que com empresas que têm relações com o
governo".
Primeiro, há esses telefonemas
com exclamação, que mais mereceriam pontos de interrogação.
Segundo, há o fato incontestável
de que Dirceu trabalha, sim, com
empresas que têm relações com
o governo. Como revelou esta
Folha, é o caso da consultoria
que prestou ao empresário Nelson Santos entre 2007 e 2009,
pela qual recebeu R$ 620 mil.
Dono de uma "offshore" num
paraíso fiscal, Santos adquiriu
em 2005, por R$ 1, uma participação na Eletronet, empresa em
processo de falência que o governo Lula planeja recuperar para
usar seu principal ativo -uma
rede de 16 mil km de fibras óticas- na oferta de internet a 68%
dos domicílios até 2014.
É no mínimo uma coincidência sugestiva o fato de que a massa falimentar da Eletronet tenha
sido convertida em ouro pelo governo meses depois da contratação de Dirceu por Santos.
Qualquer que seja o desfecho
dessa história, ela constitui o
mais recente capítulo do que se
tem procurado ocultar sob a retórica do "Estado forte" lulo-petista: a aliança entre empresas
privadas favorecidas pelo poder
e grupos de interesse aninhados
no Estado e no partido.
A operação de compra da Brasil Telecom pela Oi/Telemar,
que demandou mudanças importantes na legislação e contou
com forte injeção de dinheiro do
Banco do Brasil e do BNDES, é
um exemplo acabado do neopatrimonialismo em curso no país.
Com seu maquiavelismo de almanaque, Dirceu apenas mostra
de maneira mais didática o que
se tornou diretriz de governo.
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